Tuesday, September 30, 2008

vingança da natureza?




eu confesso que sou obcecado pela relação entre água e arquitetura

mas a imagem acima merece ser difundida.
trata-se da famosa casa Farnsworth de Mies que foi inundada pela primeira vez em 1956 e depois em 1996. No ultimo dia 14 de setembro, apenas 12 anos depois da última cheia, caiu outra “chuva de 100 anos” e a casa sofreu sua pior inundação, com a água chegando a 40cm acima do piso principal (130cm acima do terreno natural).

ano passado Jonathan Hill (Bartlett) esteve aqui e sua palestra foi toda sobre a relação entre a arquitetura e os elementos (chuva, gelo, calor, vento) tendo a imagem da casa Farnsworth inundada em 96 como foco principal da esquizofrênica relação entre o modernismo e a natureza circundante.


agora a própria fundação Farnsworth que administra a casa criou um blog para que possamos todos acompanhar o processo de limpeza e restauração.


e tem gente que ainda resiste a idéia de que o aquecimento global terá um impacto significativo na forma como fazemos arquitetura. Pode perguntar pra quem teve seus vidros e telhas quebrados em Belo Horizonte na pior chuva de granizo da história que coincidiu com a inundação da Farnsworth aqui em Illinois.

Sunday, September 28, 2008

design and ethics

acabei ontem de ler o novo livro de Thomas Fisher, Design and Ethics, publicado este ano pela Elsevier. Tom Fisher é um dos meus autores favoritos no cenário acadêmico norte-americano. Ex-editor da revista Progressive Architecture (nos seus melhores tempos, antes de ter sido comprada e fechada pela concorrente) e atualmente é dean da escola de arquitetura de Minnesota.

o livro não é o melhor do autor nem entraria na minha lista dos top 50, é meio desfocado, as vezes parece ter sido escrito para o público em geral, mas é demasiadamente arquitetônico sem sê-lo o suficiente. Deu pra entender? Pois é, eu também não saquei direito qual a intenção principal do autor.

mas o Tom Fisher acerta ao trazer o tema da ética para a discussão sobre arquitetura. O texto é muito bem embasado no que diz respeito a este ramo da filosofia e muito bem amarrado com as questões contemporâneas do design.

por exemplo, Fisher vai direto ao ponto quando argumenta que a arquitetura precisa servir as pessoas e deixar de se preocupar com a beleza e a ordem como fins em si mesmas. Discorrendo sobre o panorama norte-americano (mas serve também para os jovens da pseudo-vanguarda brasileira), Fisher demonstra como a ênfase na abstração vai corroendo o papel social da arquitetura. Numa das melhores passagens do livro o autor explica como a pseudo-vanguarda cria uma escassez artificial. Nada é bom o suficiente então deve-se sempre inventar a próxima moda que de novo não tem nada, enquanto a verdadeira escassez (de qualidade na construção em geral) nunca é devidamente atacada.

a mudança ética de que fala Tom Fisher passa por uma mudança de discurso, pela inclusão de todo tipo de construção como objeto de estudo da arquitetura e não apenas aqueles projetados por arquitetos famosos, argumento que faz parte da maioria dos meus escritos. Fisher acerta também ao dizer que nossas conversas abstratas são uma barreira que atrapalha o entendimento do nosso trabalho por parte da sociedade.

em resumo, não é o melhor texto de Thomas Fisher mas é uma discussão oportuna e importante.

Monday, September 22, 2008

livros e mais livros




na ultima seção de comentários do parede duas pessoas mencionaram que gostariam de ler mais sobre arquitetura contemporânea.

então enquanto eu olhava para minha estante hoje em busca de inspiração para um outro texto fui selecionando os livros que eu recomendaria para estudantes e colegas arquitetos.

Palladio’s Children de N.J.Habraken já nasceu clássico ano passado. Habraken foi diretor do MIT por muitos anos e é holandês da turma de Bakema e Hertzberger que conquistou o mundo com seu pragmatismo 20 anos antes de Koolhaas ter entrado numa escola de arquitetura. Vale a pena mesmo e eu o coloco como primeiro da lista.


Mais profundo e mais abstrato são as Differences de Solá-Morales. Solá-Morales influenciou gerações da Espanha e na América Latina e Differences é um resumo de sua obra interrompida precocemente uns anos atrás


La Modernidad Superada de Josep Maria Montaner não está na foto acima porque está emprestado mas é uma leitura precisa do modernismo tardio com muitos elogios aos brasileiros. Acho que já foi traduzido para o português.


Architecture after Modernism de Diane Ghirardo é imperdível. Também já traduzido para o português, Ghirardo dá um show ao explicar a arquitetura do final do século XX junto com as transformações no capitalismo da era Reagan/Thatcher


Architecture and disjunction de Bernard Tschumi é obra fundamental para entender a arquitetura contemporânea principalmente no que diz respeito a seus paralelos com as outras artes ou disciplinas criativas em geral.


Eupalinos é um livrinho lindo de Paul Valery cuja edição brasileira tem um excelente prefácio do saudoso Joaquim Guedes. Imperdível para todos que amam a arquitetura e a filosofia, alem de ser muito melhor que qualquer fenomenologia.


O lugar da crítica é uma coleção de ensaios de Ruth Verde Zein que pra mim é quem melhor tem escrito no Brasil já há muitos anos. Nem precisa explicar muito.


O Alvo do Olhar Estrangeiro é a tese de doutorado de Nelci Tinem, professora da UFPB. Nelci faz um passeio pelas revistas de arquitetura dos anos 50 pra demonstrar como os interesses de cada publicação moldam suas decisões editoriais.


O projeto arquitetônico de Alfonso Corona-Martinez também existe em português e é um clássico dos estudos do ato de projetar em si. Fundamental pra todo mundo que quer entender direito o que se passa no processo dos primeiros croquis até a resolução espacial ganhar seu caráter definitivo.


e por último para aqueles que estão cursando mestrado ou doutorado, Architecture Research Methods de Linda Groat e David Wang é um manual de introdução às diversas técnicas de pesquisa em arquitetura que acredito ser o melhor livro no assunto.

e por último fica minha sugestão de que todo mundo contribua nos comentários para que esta lista cresça e se torne mais abrangente que a minha pequena e arbitrária seleção

Thursday, September 18, 2008

menos desigualdade (ainda que tardia e lentamente)


esta semana o parede bateu todos os recordes com centenas de visitas e mais de 50 comentários. Pensando nestes comentários e no debate entre visões de mundo a direita e a esquerda me lembrei várias vezes das conversas que tive com um pedreiro da minha última obra em BH, em 2004. Para preservar sua privacidade (embora sejam remotas as chances de que ele ou alguém que o reconheça venha ler este post), vou chamá-lo apenas de ZA.

pois bem, ZA tem quase 60 anos, trabalhou a vida inteira como pedreiro e junto com seu filho que é pintor construiu uma casa de 300 metros quadrados na entrada do aglomerado da serra onde mora com sua mulher e as famílias do filho pintor e da filha divorciada com 2 crianças.

e foi sobre uma destas crianças que rodou a conversa que tanto me marcou. ZA estava desesperado em 2004 porque seu neto, na época com 15 anos, não mostrava disposição para trabalhar com o avô e como todo adolescente questionava se valia a pena carregar tijolo e areia 8 horas por dia para ganhar 300 reais no final do mês. E o pior é que bem na frente da casa de ZA um grupo de meninos da mesma idade do seu neto tinha montado uma central de vendas de trouxas e papelotes onde faturavam por dia o que um servente de pedreiro demorava um mês inteiro para receber.

me lembrei muito desta história porque ela tem todos os componentes do drama da desigualdade. Tendo trabalhado a vida inteira ZA tinha agora uma vida minimamente confortável na sua casa simples mas espaçosa. Sua ética de trabalho é invejável, ZA nunca chegou na obra depois das 7:30 e nunca saiu antes das 18 horas, tendo construído sua casa trabalhando também em milhares de domingos ao longo da vida. Mesmo assim sua situação era extremamente vulnerável. Seu único patrimônio (e único apoio para uma velhice menos pobre) é a casa na favela que ele não consegue vender nem alugar por que alem de não ter a propriedade legal, fica em frente a uma boca-de-fumo e ninguém quer.

bom, esse ano visitando as obras da prefeitura no aglomerado da serra encontrei o filho pintor do ZA que me disse que o sobrinho estava trabalhando de armador para uma construtora grande, com um salário de R$ 1200, pensando em casar e etc...

o moço de 20 anos percebeu que não valeria a pena se arriscar no tráfico para morrer ou passar o resto da vida entrando e saindo cadeia, destino de TODOS os seus amigos da rua que tentaram a vida por aí. Ajudou também o fato de que BH passa por um boom da construção civil, o menino trabalhou uns meses na própria obra da prefeitura, aprendeu a cortar e dobrar ferragem e se mandou para ganhar mais na iniciativa privada.

resumindo, o moço flertou com a marginalidade porque o resultado imediato parecia muito melhor que carregar lata de massa por décadas a fio, e se salvou porque tinha de um lado a seriedade e a correção do avô como exemplo, e de outro um programa da obras da prefeitura que se preocupa com a qualificação da mão de obra local e sua inserção no mercado de trabalho.

bom, dei uma volta danada pra argumentar que a melhoria da qualidade de vida depende de valores à esquerda e à direita. Sem a ética do trabalho herdada de ZA o menino teria se perdido na marginalidade, mas sem os programas da prefeitura ele muito dificilmente conseguiria um emprego melhor que o de porteiro com sua 8ª série incompleta.

e assim aos poucos a vida vai melhorando como mostra o resultado da PNAD 2007 que saiu hoje.

Monday, September 15, 2008

tantas oportunidades para tão pouca arquitetura



o blog esteve tão quente na semana passada (ver comentários) que os assuntos foram se acumulando.

no dia 11 de setembro queria ter escrito sobre a inauguração do memorial as vítimas do pentágono projetado pelo Keith Kaseman e pela Julie Beckman do KBAS. Depois veio o artigo de Ouroussoff no NYTimes de ontem comparando a desolação de New Orleans e o fracasso do World Trade Center com a construção frenética da China.

então o post de hoje junta as duas coisas para falar de tantas oportunidades perdidas. A começar por New Orleans que três anos depois da inundação ainda tem áreas onde parece que a água acabou de secar. Eu estive lá em Março de 2007 e a cena é desoladora, milhares de casas condenadas e outros milhares de lotes vazios já demolidos. E nenhuma resposta significativa ao desafio de como construir uma cidade melhor para o século XXI. O mais rico e militarmente mais poderoso país do mundo não conseguiu dar uma resposta a altura da tragédia que se abateu sobre New Orleans.

agora a comparação de Ouroussoff também é fraca. A china está se enchendo de edifícios desenhados por arquitetos famosos mas isso está longe de ser uma resposta adequada ao desafio de construir a cidade do século que se inicia. Ninhos de pássaro e sedes de TV servem como ícones de um crescimento acelerado mas não se traduz exatamente em qualidade de vida como Barcelona, Paris ou São Francisco. Ou alguem aqui preferia viver em Bilbao, Kuala Lumpur ou mesmo Vegas a viver nas três cidades supra-citadas.


mas no meio de tantas oportunidades perdidas vem Keith e Julie recém formados pela Columbia (2001) vencer o concurso para o memorial das vítimas do 11 de setembro no pentágono. Um desenho limpo, simples e capaz de captar simbolicamente o trauma vivido por este país (do qual o mundo todo sofre a ressaca até hoje).

184 bancos de aço, um para cada vítima, alinhados na direção do avião quando se chcou contra o prédio. Keith e Julie se mudaram para Alexandria, Virgínia e trabalharam por 5 anos no projeto que foi inaugurado na semana passada, desde ajudando a levantar doações até fazendo no CNC Router os moldes de cerâmica que serviram para fundir todas as peças de aço.

as grandes oportunidades parecem perdidas, New Orleans e Ground Zero continuam como dois grandes buracos na alma de um país traumatizado e agora também quebrado financeiramente (muito por conta de erros decorrentes do trauma de 9/11)

enquanto isso uma nova geração de arquitetos se agarra com vontade às pequenas oportunidades e vão aos poucos renovando o ar carregado que paira por aqui.

Thursday, September 11, 2008

do parede para a AU



um post despretensioso de exatamente um ano atrás acabou se transformando em uma matéria mais elaborada para a Revista AU. Para tanto eu acabei entrevistando os arquitetos Stephen Kieran e James Timberlake que aliás foram super atenciosos e prestativos.

deixo aqui meu agradecimento a toda equipe da AU e em especial a Simone Capozzi pelo convite que me permitiu mostrar a arquitetura de Kieran e Timberlake construída aqui na minha Ann Arbor para colegas do Brasil inteiro,

o texto completo pode ser lido no site da AU

Tuesday, September 9, 2008

porque os arquitetos nunca se aposentam?

vale a pena ler o divertido artigo de Witold Rybczynski (professor da University of Pennsylvania) sobre a longevidade dos arquitetos que saiu essa semana na Slate.

Rybczynski nos lembra que Corbusier projetou Ronchamp aos 63 anos, Louis Kahn projetou o Salk Institute aos 64, Gehry desenhou Bilbao aos 68 e que Frank Lloyd projetou seu Guggenheim bem depois dos 80.

Rybczynski não citou o nosso Oscar mas vale perguntar: será que algum projeto dele das últimas décadas vai ficar para a história como os acima citados ou vamos sempre nos lembrar que nosso arquiteto maior desenhou Pampulha aos 34 anos?

Sunday, September 7, 2008

viva ela




o post de hoje é uma homenagem a minha melhor metade. Letícia está colhendo este ano os frutos dos últimos anos de trabalho dedicado e merece que isso seja celebrado.


primeiro foi o relatório sobre gravidez na adolescência para a ONU como parte do programa Objetivos do Milênio.


depois foi a revista Veja que usou seu trabalho na reportagem de capa da edição de 30 de julho passado apesar de muito “vejamente” ter citado só o co-autor americano mesmo depois de duas horas de conversa telefônica com ela. Mas tudo bem, o que importa é que a análise refinada dos demógrafos está sendo divulgada, ajudando a derrubar a idéia atrasada mas ainda tão presente (principalmente na direita) de que vivemos uma explosão populacional.


agora esta semana veio o prêmio de melhor paper publicado concedido pelo IPUMS (International database for cross-temporal and cross-national research) do Centro de População da Universidade de Minnesota.


tim-tim, cheers.

Thursday, September 4, 2008

e a história se repete como farsa

num primeiro momento eu até achei que a indicação de Sarah Palin para vice-presidente na chapa republicana era um sinal de que as história estava andando para frente apesar do caminho tortuoso.

ontem o discurso dela na tal convenção acabou com qualquer fantasia de que pode haver evolução ou mesmo maturação na direita norte-americana.

a mulher é uma piada de mau gosto que faz George Bush II, o bronco, parecer um intelectual refinado. Nas palavras do meu amigo Dan Silverman, quando Bush fazia pose de sujeito normal com quem você tomaria uma cerveja era mentira eleitoreira pois ele é filho de ex-presidente e tem diploma de Yale.

quando Sarah Palin diz ser uma hockey-mom que governa o Alaska e pretende governar os EUA como governa seus cinco filhos é verdade!


incrível mas para continuar enganando a metade ignorante dos norte-americanos em cima de discursos anti-aborto, anti-gay e anti-imigração a elite republicana pretende eleger para o cargo de vice-presidente uma pessoa cuja maior “qualificação” é ser uma boa mãe de família que levou estes valores para a prefeitura de sua cidadezinha de 9.000 habitantes e depois virou governadora de um estado de 600.000 habitantes (pouco maior que Juiz de Fora ou pouco menor que Uberlândia)!

pobre Marx, se ele soubesse quantas vezes a história ia se repetir como farsa!

postscript na sexta dia 5 de setembro: o texto de hoje do Paul Krugman no New York Times explica melhor tudo isso:

Monday, September 1, 2008

sobre a imensidão


hoje eu saio totalmente da escala da arquitetura para contar algo que me deixou muito feliz, encantado mesmo, neste final de semana.

com o projeto 365specialdays evoluindo bem, eu prometi a mim mesmo que não ia gastar nem um centavo ganho com as aquarelas em coisas banais como as contas nossas de todo dia.

pois com essa idéia na cachola eu comprei um telescópio pequeno (700mm), um presente pras minhas filhas e pra mim mesmo, ainda que atrasado por um quarto de século mais ou menos.

e não é que o bichinho é incrível. No sábado deu pra ver Venus do tamanho de uma moeda pequena com suas nuvens e tudo, e ontem a noite foi dominada por Júpiter e suas luas. Nunca imaginei que ia conseguir ver com tanta precisão esses dois planetas e não vejo a hora de ver Marte e a mesmo a Lua que tem surgido tarde demais para alguém que acorda ainda no meio da noite para dar mamadeira.

e o melhor de tudo foi ver minha filha de 5 anos entusiasmada, querendo aprender tudo sobre planetas e estrelas, querendo entender como eles se movem no céu e porque eles não trombam com a nossa Terra se todos flutuam no espaço.

agora vou montar o telescópio toda vez que a rotina começar a tomar conta. Faz a gente se sentir tão pequeno e ao mesmo tempo tão enorme.